quinta-feira, maio 22, 2025
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Origem da covid: nova polêmica reacende suspeita de vazamento em laboratório na China

Cinco anos após o início da pandemia, a teoria de que o coronavírus escapou de um laboratório volta ao debate.

A origem do SARS-CoV-2, vírus causador da covid-19, continua sendo tema de intenso debate científico, midiático e político, mesmo cinco anos após o início da pandemia. Onde o vírus surgiu, como e quando ocorreu a infecção inicial em humanos, e se isso poderia ter sido evitado, são perguntas ainda sem respostas definitivas — e com grande impacto na forma como a sociedade encara medidas de prevenção.

Recentemente, a hipótese de que o vírus possa ter escapado de um laboratório voltou a ganhar destaque. Reportagens apontam que análises retidas pelo Serviço Federal de Inteligência da Alemanha (BND) levantaram suspeitas de modificação genética em laboratório, mas não trouxeram novos dados científicos verificáveis. A imprensa alemã, como o Univadis , destaca que os especialistas envolvidos não apresentaram dados brutos para avaliação técnica.

Nos Estados Unidos, sites governamentais que antes traziam informações sobre testes e vacinas da covid-19 aram a omitir conteúdos científicos sobre o vírus, reforçando a narrativa do vazamento laboratorial, segundo análise publicada no New York Times por Ian Lipkin e Ralph Baric, dois dos maiores especialistas em coronavírus.

Hipóteses principais: natureza ou laboratório

O debate gira em torno de duas hipóteses principais:

·         Origem natural (zoonose): O vírus teria sido transmitido de morcegos para humanos, possivelmente via um animal intermediário, como o cão-guaxinim.

·         Origem laboratorial: Um vírus poderia ter sido modificado ou coletado em campo e, acidentalmente, infectado um pesquisador.

Até agora, nenhuma das hipóteses foi comprovada de forma conclusiva. No entanto, a maior parte da comunidade científica segue apoiando a tese da origem natural, como indicam estudos liderados por Angela Rasmussen, virologista canadense que analisou os dados brutos publicados na plataforma GISAID (Global Initiative on Sharing All Influenza Data), em 2023.

Evidências do mercado de Wuhan

O mercado de frutos do mar de Huanan, em Wuhan, foi um dos primeiros locais associados à disseminação do vírus. Dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças da China (CDC) revelam que amostras coletadas no local tinham material genético tanto do vírus quanto de cães-guaxinim, conhecidos por serem suscetíveis ao SARS-CoV-2. Essas amostras foram registradas entre os primeiros focos da pandemia.

Segundo estudo publicado na revista Science, também foram detectadas duas linhagens iniciais do vírus (A e B), o que sugere ao menos dois eventos de transbordamento entre animais e humanos.

Outros animais e o risco de spillover

Um estudo de 2021 publicado na revista Scientific Reports listou 38 espécies vendidas em mercados de Wuhan entre 2017 e 2019 — 31 delas protegidas por lei. Morcegos e pangolins, inicialmente considerados vetores, não estavam entre os animais catalogados. No entanto, cães-guaxinim eram criados legalmente para comércio de peles e, com a queda de preços, aram a ser vendidos ao lado de animais silvestres nos mercados.

Teoria do vazamento e segurança laboratorial

Entre os principais nomes sob escrutínio está a virologista chinesa Zheng-Li Shi, do Instituto de Virologia de Wuhan (WIV), conhecida por sua pesquisa com coronavírus de morcegos. Em março de 2025, Shi e sua equipe publicaram na revista Cell um estudo sobre um novo coronavírus identificado em morcegos no Brasil, o HKU5-CoV-2, parente próximo do vírus MERS.

O experimento mostrou que o vírus usa o receptor ACE2, o mesmo do SARS-CoV-2. No entanto, os ensaios foram realizados em ambiente de biossegurança nível 2 (BSL-2), o que gerou críticas por parte de especialistas como Lipkin e Baric, que consideram esse nível inadequado para manipulação de vírus potencialmente perigosos. Ambos am um artigo de opinião no New York Times em março deste ano, alertando sobre os riscos e pedindo mais rigor na regulação internacional desses experimentos.

Conclusão: ciência e política em conflito

Segundo a maioria dos estudos e especialistas, como apontado por Univadis e Science, uma origem natural do vírus continua sendo a hipótese mais consistente. Ainda não há evidência direta de que o SARS-CoV-2 tenha saído de um laboratório.

No entanto, o uso político da teoria do vazamento contribui para enfraquecer a confiança pública em instituições científicas e desviam o foco de causas estruturais, como a destruição de habitats naturais e o comércio irregular de animais silvestres — fatores reconhecidamente associados ao risco de novas pandemias.

Como alertou o historiador John M. Barry em 2020: “Quando você mistura ciência com política, o resultado é política.”

Fonte: Jornal O Tempo