Qual será o perfil do novo papa? A “matemática do conclave” pode enganar

O perfil dos cardeais que se reunirão em Roma no início de maio para eleger o sucessor do papa Francisco, morto segunda-feira (21), é bastante diferente geograficamente daquele grupo que elegeu o então cardeal Jorge Mario Bergoglio, 12 anos atrás. No entanto, a “matemática do conclave” não é uma ciência exata; ela não oferece nenhuma indicação concreta a respeito de que caminho os eleitores tomarão quando se trancarem na Capela Sistina. O ado recente já demonstrou que nenhum dos recortes em que os cardeais costumam ser classificados é um indicador certeiro do desfecho de um conclave.
Os cardeais votantes, aqueles com menos de 80 anos, são 135 – as regras da Igreja estipulam um limite máximo de 120, mas o provável é que ninguém fique de fora caso esteja em Roma, seja porque o direito de eleger o papa nestes casos é garantido pelo Direito Canônico, seja porque não existe nenhuma regra sobre qual critério seria usado para excluir cardeais que excedessem o limite. Desse número, 53 são europeus (sendo 17 italianos); 19 são africanos; 22 vêm da Ásia; 4, da Oceania; 20, da América do Norte; e 17, da América do Sul. No total, 73 países estarão representados.
Já no conclave de 2013, que escolheu Francisco, os europeus eram 60, sendo 28 italianos; a África tinha 11 cardeais; a Ásia, 10; a América do Norte, 20; a América do Sul, 13; e a Oceania, um cardeal. Ou seja, a proporção de europeus caiu de 56% em 2013 para 39% em 2025. Isso é resultado de uma mudança introduzida por Francisco na escolha de cardeais. Até Bento XVI, havia o costume das “sés cardinalícias”, dioceses importantes cujo bispo tornava-se cardeal mais cedo ou mais tarde; Francisco trocou esse costume pela nomeação de cardeais em regiões que até então não tinham representantes no Colégio Cardinalício, para refletir melhor a universalidade da Igreja e a diversidade de cenários, mesclando regiões onde o catolicismo é forte, países onde a fé está em declínio e locais onde a Igreja ainda não tem muitos fiéis. Um caso emblemático é o do segundo cardeal eleitor mais jovem, o italiano Giorgio Marengo, 50 anos, prefeito apostólico de Ulan Bator, na Mongólia, país com menos de 2 mil católicos.
Mas ficou longe o tempo em que cardeais de um mesmo país ou região votavam sempre em bloco para favorecer um compatriota. “Isso é coisa de séculos atrás. Hoje, os cardeais podem até vir de um mesmo país, mas não quer dizer que votem todos unificados, mesmo porque dentro de um mesmo grupo nacional há cardeais com concepções diferentes sobre as prioridades da Igreja”, diz o monsenhor Sérgio Costa Couto, da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Afinal, foi aquele grupo com quase 60% de europeus que elegeu um argentino, e nada impede que um grupo mais internacionalizado devolva o papado a um europeu.
O sacerdote acrescenta que a maior internacionalização do Colégio Cardinalício promovida por Francisco criou algumas dificuldades. “Os eleitores não se conhecem. Francisco foi nomeando cardeais, mas com poucas chances para eles se encontrarem. Além disso, até pouco tempo atrás a grande maioria dos cardeais havia pelo menos estudado em Roma, eles podiam conversar entre si em italiano, mas agora há cardeais de vários cantos do mundo que não tiveram essa oportunidade, e isso cria uma barreira lingústica”, explica. “Até por isso é comum que no início de um conclave os eleitores se juntem em grupos por idioma para trocar ideias, mas isso não é sinônimo de voto em bloco”, esclarece monsenhor Sérgio.
Francisco nomeou 80% dos cardeais eleitores, mas isso não garante um sucessor semelhante
Um outro indicador separa os cardeais de acordo com o papa que os elevou ao cardinalato. Por esse recorte, a maioria absoluta de eleitores, 110 de 135, é de cardeais nomeados por Francisco; outros 22, por Bento XVI; e apenas 5, por João Paulo II. Mas isso também não significa que o próximo papa será alguém semelhante a Francisco. “Quando o papa quis diversificar o Colégio Cardinalício geograficamente, não necessariamente se pautou pelo alinhamento ideológico”, afirma monsenhor Sérgio, lembrando o conclave de 2013, quando todos os eleitores haviam sido nomeados cardeais por João Paulo II ou Bento XVI, e ainda assim o eleito foi alguém de perfil mais diverso.
Em alguns casos, é verdade, Francisco escolheu cardeais “periféricos” com um pensamento mais semelhante ao seu, como Robert McElroy (que era bispo de San Diego à época da nomeação, enquanto os arcebispos de Los Angeles e San Francisco não foram escolhidos), vários outros cardeais nomeados por Francisco têm opiniões divergentes – cardeais africanos, por exemplo, estiveram na linha de frente da rejeição a Fiducia supplicans, o documento do Dicastério para a Doutrina da Fé sobre bênçãos a casais homoafetivos.
Logo após o consistório de 2022, o experiente vaticanista John Allen Jr. afirmou que a divisão entre “progressistas” e “conservadores” é uma dicotomia tipicamente ocidental, e que a situação real é muito mais complexa. Questões do Ocidente rico são pouco relevantes para um cardeal vindo de um país com grande pobreza e desigualdade, ou que vive sob perseguição religiosa. Um cardeal africano que seja mais firme em questões morais pode, ao mesmo tempo, ter opiniões sobre economia que o colocariam como “progressista” aos olhos de um ocidental, escreveu Allen.
“O conclave deste ano será ainda mais imprevisível que o de 2013”, afirma monsenhor Sérgio Costa Couto. A eleição do novo papa necessariamente começa entre 15 e 20 dias após o falecimento do pontífice anterior, ou seja, na primeira quinzena de maio. “Eu espero que os cardeais usem todo o tempo que as regras lhes dão para se conhecerem melhor e conversarem antes que o conclave comece”, diz o sacerdote.
Fonte: Gazeta do Povo – Por Marcio Antonio Campos