quinta-feira, maio 22, 2025
BRASIL E MUNDODESTAQUENOTÍCIAS

O futuro que nunca chega

OPINIÃO

Por Gazeta do Povo (*)

Em palestra que circula em forma de vídeo na internet, o economista Paulo Guedes, ex-ministro da Economia do governo Jair Bolsonaro, vem dizendo que o Brasil é a esperança do mundo e é a maior e melhor opção para alimentar uma população que pode chegar a 9,4 bilhões de habitantes por volta de 2050, quando depois começaria a diminuir. Guedes desenvolve sua análise, geralmente brilhante, e apresenta uma lista de elementos que colocam o Brasil na condição de um dos poucos lugares do planeta com potencial para decolar, desenvolver-se, sair do estado de pobreza e atraso, ser celeiro do mundo e deixar para trás a condição de um lugar que, tendo tudo para ser rico, insiste em se manter no atraso e no subdesenvolvimento. Mas a pergunta que se impõe é: o otimismo de Paulo Guedes faz sentido?

Em 2010, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fez o recenseamento da década, que foi um dos mais completos em razão do uso de modernas tecnologias de computação, tendo se tornado mais prático e eficiente conhecer o país, seus problemas e suas vantagens. Tomando por base o referido banco de dados, dois economistas, Fabio Giambiagi e Claudio Porto, coordenaram a elaboração do livro intitulado 2022 – Propostas para Um Brasil Melhor no Ano do Bicentenário, uma espécie de relatório técnico apresentando a situação do país e fazendo projeções para o ano de 2022, quando o Brasil chegaria a dois séculos de sua independência em relação ao reino de Portugal.

O fato é que o país do futuro só ficou mais velho e, em termos sociais, continua o mesmo, à espera de que um futuro sem miséria e com baixo nível de pobreza um dia chegue

Naquela obra, que projetava 12 anos à frente, a mais profunda alteração prevista era de ordem demográfica. A previsão era de que a população de crianças na faixa dos 5 aos 14 anos iria diminuir em 6,5 milhões (de 34,1 milhões para 27,6 milhões), enquanto a população com 60 anos ou mais deveria aumentar em 11,4 milhões de pessoas (de 19,3 milhões para 30,7 milhões).

Na época, acreditava-se que somente essa mudança mudaria de tal forma o perfil da sociedade brasileira que toda a transformação do país seria determinada por essa nova realidade. Pois a prévia do censo do IBGE de 2022 mostrava que a população de 5 a 14 anos baixou para 22 milhões de pessoas – uma queda maior que a prevista –, enquanto a população acima de 60 anos aumentou para 32 milhões, um crescimento maior que o previsto.

Para analisar o que é o Brasil hoje, quais aspectos estão melhores, quais estão piores e quais não se alteraram, as mudanças demográficas devem ser consideradas pelo efeito que produziram e vão produzir em todos os aspectos da economia, especialmente do produto, emprego, renda e nível de desenvolvimento. Como no período de 2010 até agora o país não correspondeu em termos de crescimento, elevação da renda por habitante, diminuição das desigualdades, eliminação da miséria e redução da pobreza, o slogan “Brasil, país do futuro” continua apenas o título de um livro escrito por um grande intelectual em 1941.

O escritor austríaco-judeu Stefan Zweig, veio morar no Brasil para fugir do nazismo, e publicou um livro intitulado Brasil, País do Futuro. A partir de então, o título do livro tornou-se um slogan que ou a fazer parte do imaginário popular e virou uma espécie de mantra nos meios políticos e intelectuais, como o próprio Paulo Guedes em sua análise otimista do futuro do Brasil. Entre as razões para tal profecia estavam as riquezas naturais inexploradas, o território enorme, a ausência de conflitos nas fronteiras e todo um castelo de recursos a serem explorados a favor de sua população e do resto do mundo. O que Zweig não considerou em sua profecia foi a grande capacidade dos governantes brasileiros em afastar o país do caminho do desenvolvimento.

Dilma Rousseff, que governou desde o início de 2011 até agostos de 2016, colocou em seu plano de governo que dois de seus objetivos eram: 1) eliminar a pobreza extrema (a miséria), por meio da melhoria da renda e do emprego; e 2) reduzir de 20% para 5% da população o grupo dos classificados como pobres. Nos relatórios do IBGE, a população de pobres era de 20% dos 193,7 milhões habitantes existentes em 2010 (ou 38,7 milhões de pessoas), e a população de extremamente pobres era de 7% da população total (13,6 milhões de pessoas). Em relação à população brasileira de 2024, o quadro de miséria e pobreza não mudou, mesmo considerando que o número médio de filhos por mulher caiu de 1,9 em 2010 para 1,6 em 2022. aram-se 12 anos de discursos e promessas e o Brasil continua com a mesma miséria e a mesma pobreza, com algumas melhorias marginais em porcentuais pequenos.

Ressalte-se que, na travessia dos últimos 14 anos, o país enfrentou uma grave recessão em 2015 e 2016 (por obra dos governantes) e uma pandemia global em 2020, 2021 e parte de 2022. O fato é que o país do futuro só ficou mais velho e, em termos sociais, continua o mesmo, à espera de que um futuro sem miséria e com baixo nível de pobreza um dia chegue.  

Desde 2010, as duas maiores causas histórias que impediam o Brasil de se desenvolver eram a precária infraestrutura física e o baixo nível educacional, sob um ambiente de falta de confiança nas instituições e enorme insegurança jurídica, além de outras causas. Todas essas causas continuam presentes atualmente tal como eram no ado, em alguns aspectos até mesmo pioradas. E a pergunta que fica é: quando e como este país de natureza rica e população pobre conseguirá sair do atraso que tem sua marca profunda?

(*) Editorial do jornal Gazeta do Povo, de ontem, dia 28/04/2025

Fonte: Gazeta do Povo