De olho em 2026, PT faz manobra para conquistar eleitores evangélicos e cogita “censo religioso” de militantes

O Partido dos Trabalhadores (PT) está focado em atrair eleitores evangélicos até 2026. Pesquisa desta semana mostrou que a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está em queda livre nesse segmento do eleitorado. A legenda planeja agora promover uma “busca ativa” para mapear as religiões dos filiados e parlamentares petistas em todos os estados, municípios e na esfera federal.
A intensificação da iniciativa com relação aos evengélicos foi tornada oficialmente pública no fim de março, quando o presidente interino do PT, senador Humberto Costa (PE), se reuniu com integrantes do Setorial Nacional Inter-religioso e do Núcleo Evangélico do PT (NEPT) em uma longa reunião online. Segundo interlocutores do partido, o encontro focou nas eleições de 2026 e na conquista de votos e filiações de evangélicos.
A constatação de fragilidade entre esse segmento do eleitorado foi reforçada por uma pesquisa da Genial/Quaest divulgada no último dia 2. O levantamento mostrou que a desaprovação de Lula entre os eleitores evangélicos saltou de 58% para 67% em apenas dois meses. A aprovação do petista nesse grupo também caiu e ou de 37% para 29%, consolidando uma rejeição maciça.
Já entre os católicos, que historicamente vinham dando maior respaldo ao presidente, os índices de aprovação e desaprovação empataram tecnicamente em 49%, sendo que, em janeiro, a aprovação superava a reprovação (52% e 45%). A pesquisa Genial/Quaest ouviu 2.004 pessoas de 27 a 31 de março de 2025 com uma margem de erro de 2 pontos percentuais e um nível de confiança de 95%.
O Setorial Nacional Inter-religioso do PT é uma estrutura do partido que promove o diálogo entre a sigla e diferentes tradições religiosas (católicos, evangélicos, religiões de matriz africana, espíritas, judeus, entre outros), com o objetivo de integrar pautas de fé com os valores do partido.
Já o Núcleo Evangélico do PT é um grupo específico dentro do partido voltado ao diálogo com os evangélicos que tinham um direcionamento considerado “progressista”. A ideia é aproximar líderes, fiéis e comunidades evangélicas dos ideais e políticas do PT. Ambos atuam como pontes entre a militância religiosa e o projeto político do partido.
O objetivo do novo plano de ação, segundo o próprio Costa, é caminhar rumo à aproximação com esses eleitores e, principalmente, dar atenção à formação política focada nas questões religiosas. Para especialistas, o PT pode enfrentar resistências internas com suas “alas mais radicais” ou que se consideram mais progressistas, que defendem pautas não ligadas à religião e são pró-aborto.
O movimento de busca por membros da comunidade evangélica ocorre depois de o partido comemorar uma filiação recorde de 341 mil pessoas em poucos meses. O fato gerou contestações dentro do próprio partido sobre a legitimidade das novas fichas assinadas, pois a legenda ará em breve por processo eleitoral.
Especialistas avaliam ainda que o PT pode ter levado em consideração os levantamentos recentes que apontam o crescimento da comunidade evangélica no Brasil e a tendência cada vez mais alinhada aos conservadores, o que pode se refletir nas urnas no ano que vem e atrapalhar os planos de reeleição de Lula.
Além disso, existem as tendências registradas nos últimos pleitos, com evangélicos votando predominantemente em nomes ligados à direita, como em Jair Bolsonaro (PL) em 2018 e 2022.
“O eleitorado evangélico presta atenção nas pautas e, por vezes, vota unido. O único interesse do PT é conseguir votos, mas sem se comprometer a atender às pautas. O golpe está aí, cai quem quiser”, alerta o advogado e comentarista político Luiz Augusto Módolo.
Para o sociólogo Gustavo Alves, líderes do PT podem estar atentos ao levantamento apresentado em fevereiro deste ano pela empresa de gestão de ativos Mar Asset Management, chamado de “Vai na fé! O impacto eleitoral do crescimento dos evangélicos”. O estudo revelou uma tendência que dificilmente um nome ligado à esquerda pode se eleger à presidência no ano que vem e o motivo seria o voto dos evangélicos mais alinhados aos conservadores.
“O PT terá um desafio histórico neste empenho, em se aproximar de pessoas que comumente não conversam com as pautas defendidas pela esquerda, somado aos desafios internos, de convencimento das alas mais fiéis à política do nascimento do partido, ou seja, mais radical”, diz Alves.
Ele lembra que historicamente o PT sempre esteve próximo a alguns segmentos da Igreja Católica e os evangélicos se apresentam como um desafio à parte, a ser conquistado. A ligação da esquerda com a Igreja Católica se intensificou nos anos 1970, especialmente a partir da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Muitos dos fundadores do PT vinham desses movimentos católicos. A relação foi essencial na formação do partido.
Durante o regime militar, o PT teve forte ligação com setores considerados mais progressistas da Igreja Católica. Bispos, padres e leigos engajados deram apoio político e social às bases que viriam a fundar o PT no início da década de 1980.
“Não é uma tarefa fácil e não é pregar para convertidos. Existem evangélicos que conversam com as pautas da esquerda, mas a maioria não. E fazer esse convencimento pode exigir muito do PT, inclusive negar pautas amplamente defendidas pela hegemonia da sigla, o que pode representar ou levar a um novo racha interno”, reforça.
Para o cientista político Murilo Rocha Carvalho, o PT terá um desafio de equilibrar sua aproximação na tentativa de não abandonar o que chamou de “princípios que sustentam sua base histórica”.
“O discurso precisa ser ajustado para dialogar com o público evangélico sem dar margen a interpretações de que o partido estaria abrindo mão de sua identidade ou dar a entender que está buscando um público apenas pela aproximação eleitoral. Além disso, também deve ficar atento aos próximos candidatos conservadores que devem concorrer à Presidência e que terão mais abertura com o público evangélico”, afirma.
O cientista político diz ser provável que essa tentativa de aproximação com evangélicos faça com que o PT se abra mais, mesmo que temporariamente, deixando de lado algumas de suas ideias para conseguir dialogar com o público crescente de eleitores nesse nicho.
Já o sociológico Gustavo Alves acredita que o primeiro desafio é evitar novos rompimentos internos no PT e depois cativar esses fiéis.
“Um novo racha pode fortalecer partidos de direita ou mesmo do chamado Centrão. Depois de equilibrar o discurso interno, se conseguir, haverá o enorme desafio de efetivamente cativar esse eleitor evangélico, que não está perto do PT ou mesmo que hoje quer distância dele. Teremos que analisar se isso vai, inclusive, mudar o discurso e a postura da sigla a partir de agora”, destaca.
PT quer formação política para evangélicos; especialista alerta para tentativa de “dominação”
Na reunião entre líderes partidários, o presidente interino do PT disse que pretende estar ao lado do Setorial Inter-religioso e do Núcleo de Evangélicos para essa aproximação e para que “o partido tenha um processo de formação política voltado para o entendimento das questões religiosas”.
“Precisamos aprofundar essa relação do PT com aqueles que organizam, nas suas bases comunitárias, uma relação com a população”, disse Costa em reunião realizada de forma online no dia 24 de março.
“Deve até ter petistas que concordam em alguns pontos com os evangélicos. Mas, pelo jeito, os pragmáticos são maioria e concordarão com a aliança desde que isso possa ser usado para reverberar nas eleições de 2026 e se infiltrar nos segmentos evangélicos para um dia os dominar. Quem acha que isso é impossível, basta ver outras áreas da vida nacional, como Cultura e Direito. Começaram minoritários e hoje são os majoritários”, avalia o advogado Luiz Augusto Módolo.
O especialista destaca que, ao analisar projetos de lei de parlamentares da esquerda, essas proposições revelam que o apoio aos evangélicos ocorre apenas “da boca para fora” e que “os principais religiosos ligados ao PT já deixaram a religião há muito tempo”, voltando-se exclusivamente à cena política. “Se há um espaço para ocupar igrejas, eles irão ocupar”, reforça.
A sinalização que o PT e Lula tentam se aproximar dos eleitores a partir do discurso religioso foi reforçada recentemente, em 19 de março, em uma solenidade no Rio Grande do Norte. Lula pediu para um padre rezar o Pai Nosso e disse que [o ex-presidente] Jair “Bolsonaro mente até sobre ser religioso”.
“Isso já demonstrava, dava uma sinalização do que poderia estar por vir e, dias depois, houve essa reunião focada no público evangélico. Os sinais são claros”, salienta.
Crescimento evangélico preocupa o PT
A pesquisa divulgada pela Mar Asset Management em fevereiro deste ano apontou que, até 2026, as pessoas que se denominam evangélicas somarão 36% da população brasileira. Em 2022, eram 32% e em 2020, 22%. O levantamento também aponta fortes indícios que esse avanço de evangélicos reduz as chances de eleição ou reeleição de um candidato de esquerda. Historicamente, o PT recebe menos votos em municípios com maior presença evangélica e isso tem se confirmado nas eleições presidenciais de 2018 e 2022.
Para Módolo, isso já vinha sendo observado por Lula e pelo PT nas eleições de 2022. “Na campanha, Lula ficou quieto na questão do aborto, fingindo ser contra e as feministas que o apoiam entenderam a ideia, a tática. Assim que ganhou, começou a implantar uma agenda abortista”, analisa.
Na reunião do PT que tratou de como alcançar eleitores e filiações de evangélicos, o coordenador nacional do Setorial Inter-religioso do PT, Gutierres Barbosa, defendeu ações com o objetivo de promover diálogos entre todos os setores e segmentos que unem a sigla.
Em publicação oficial feita pelo próprio PT sobre a reunião, Barbosa disse que isso ocorre para que o partido possa estabelecer um diálogo com os segmentos religiosos da sociedade.
“É preciso estabelecer um canal de diálogo mais fino, no sentido da formação política, nos processos de comunicação que precisam ser aprimorados”, assinalou.
Foi dele a ideia de promover uma “busca ativa” para mapear as religiões dos filiados e parlamentares em todos os estados, municípios e na esfera federal. Objetivo é promover uma “afinidade e um canal de diálogo cada vez mais sintonizados”.
Na mesma reunião, a integrante da coordenação executiva nacional do Núcleo Evangélico do PT, Neivia Lima, disse que o partido é plural “e considera a espiritualidade” de todos “como uma dimensão importante na construção política do país”.
Conservadorismo e fascismo não são hegemônicos, diz líder partidário
O coordenador nacional do Setorial Inter-religioso do PT, Gutierres Barbosa, avaliou também que, diante do crescimento da direita dentro das igrejas evangélicas, o “conservadorismo e o fascismo não são hegemônicos”. De forma geral, legendas de esquerda costumam se referir ao ex-presidente Jair Bolsonaro e aos aliados dele como fascistas por discordarem de suas ideias em temas relacionados à pauta de costumes, à Covid-19, questões armamentistas e até sobre a anistia aos presos do 8 de janeiro.
“É preciso desmistificar isso. É evidente que alguns líderes religiosos que têm mais projeção nacional acabaram adentrando nessa pauta com mais profundidade. Mas na base das igrejas evangélicas, no conjunto de igrejas evangélicas, igrejas menores que estão nos rincões, nas periferias, elas não compactuam com políticas, por exemplo, de armas de fogo e contra as vacinas”, disse durante a reunião.
O petista disse que, nas eleições de 2018, 30% dos evangélicos votaram em Fernando Haddad (PT) para presidente, mas que o PT ainda tem muito para dialogar com os evangélicos. Ele avaliou que esses 30% têm uma relação profunda com o partido, outros 30% têm uma relação direta com o posicionamento mais conservador e que de 30% a 40% ainda podem ser “conquistados”. “Porque são segmentos que não têm uma posição radical de direita e podem também estar mais próximo de nós”, analisou.
Quanto ao percentual de votos em Haddad em 2018, Barbosa provavelmente se referia a uma pesquisa de intenção de votos realizada pelo Datafolha, em 25 de outubro daquele ano, quando foram observadas as variações nas preferências políticas entre os evangélicos nas eleições presidenciais. Lula não concorreu naquele pleito porque estava preso, após condenação na operação Lava Jato. Mais tarde, as condenações foram anuladas por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
No recorte específico, o grupo dos evangélicos, cerca de 21,6 milhões de eleitores (69%), demonstrou preferência por Bolsonaro. Mas aproximadamente 10 milhões (31%) optaram por Haddad.
A pesquisa foi realizada nos dias 24 e 25 de outubro de 2018, com 9.173 eleitores de 341 municípios brasileiros. A metodologia adotada garantia um nível de confiança de 95%, o que significa que havia 95% de probabilidade daqueles resultados refletirem a realidade eleitoral dentro da margem de erro de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.
Já em 2022, com Lula já em liberdade e concorrendo à Presidência na disputa contra Bolsonaro, que buscava a reeleição, outra pesquisa Datafolha revelou que 62% dos eleitores evangélicos disseram votar em Bolsonaro contra 32% em Lula. Os demais disseram que votariam branco ou nulo.
Nessa pesquisa, o instituto consultou 4.580 eleitores em 252 municípios, de 25 a 27 de outubro de 2022. A margem de erro era de três pontos percentuais para mais ou para menos, com índice de confiabilidade de 95%.
Para o cientista político Murilo Rocha Carvalho, o PT certamente tentará alcançar um setor de evangélicos que “acredita numa pauta econômica que beneficie os trabalhadores”, como o fim da escala 6×1 e em debates focados no combate à fome e às desigualdades.
“O desafio, no entanto, está nas divergências ideológicas: enquanto o partido historicamente defende pautas progressistas, como direito ao aborto e pautas voltadas ao público LGBT+, grande parte da comunidade evangélica se posiciona de forma conservadora nessas questões, o que gera resistência e até rejeição”, pontua.
Fonte: Gazeta do Povo – Por Juliet Manfrin